António Rodrigues foi o primeiro arquitecto português de base científica. Outros se destacaram na geração de Quinhentos, mas foi Rodrigues, um leitor crítico dos conceitos formulados nos tratados maneiristas que correram na sua época, a propor o primeiro tratado de arquitectura de autor escrito em português. Organizou os princípios de uma sintaxe clássica erudita submetida ao controlo da composição pela razão, pondo o rigor geométrico e a expressão do essencial acima dos efeitos decorativos, que tão fortemente caracterizaram a época anterior. Além disso, continua a ser apontado como o autor de uma das mais maravilhosas obras da arquitectura ocidental, a capela das Onze Mil Virgens anexa à igreja do convento franciscano de Santo António, em Alcácer do Sal.
Em Portugal, como em outros estados da Europa mediterrânica, a progressiva consolidação de um sistema político assente na gestão centralizada da coisa pública sob a autoridade do rei favoreceu a solidez da monarquia católica e levou a que a produção arquitectónica integrasse com o mesmo peso os monumentos religiosos, sempre sob patrocínio régio, e as outras iniciativas de natureza civil, imbuídas da mesma preocupação de conferir dignidade ao Estado. Nas primeiras décadas do ciclo edificatório empreendido pela monarquia burguesa, foram os construtores integrados no sistema produtivo medieval que, sob tutela dos príncipes, deram corpo ao desejo de edificar. Depois surgiram estudiosos intelectuais a dar outro rumo à arquitectura.
De António Rodrigues, quase nada se sabe. Homem que escondeu a sua personalidade na discreta maneira de se relacionar com a aristocracia do poder, a que de algum modo pertencia, escreveu sobre a ciência e por detrás dela se escondeu. Durante vinte e cinco anos foi o principal responsável pelas obras da casa real, atravessando o conturbado período político que vai desde o sebastianismo até à integração do país no império de Filipe II. Serviu D. Sebastião, os regentes e depois o próprio Filipe durante dez anos. Mas é possível, a pretexto do levantamento desta personagem, traçar um cenário da introdução da arquitectura do Renascimento entre nós, pelo recurso à interpretação de algumas arquitecturas e enquadramento dos seus autores, de modo a compreender o movimento colectivo na cultura em geral, e nas artes em particular, que conduziu a sociedade portuguesa no século de Quinhentos.
Adquirindo a competência do risco e o manejo rigoroso da perspectiva, ganharam os especialistas da ideia saber e prestígio, superando a autoridade dos senhores do mando, porque eram eles os especialistas na cultura antiga, na arte do simbólico e no uso dos correspondentes instrumentos do saber fazer. É esse o verdadeiro momento da mudança. No período de transição podemos encontrar bispos e príncipes desejando ardentemente ser arquitectos, viajando, comprando livros, escrevendo cartas de intenção com discurso estético. Mas faltou-lhes o tempo necessário para o exercício do desenho, para a prática reflectida da transposição da ideia ao risco operativo. Faltou-lhes, afinal, escolher o caminho entre o profissional da arte, de dedicação independente, e o político comprometido com as razões do Estado. Restou aos príncipes promover os seus artistas de confiança aos títulos da nobreza pelas razões da arte, tomando-os como espelho da sua própria personalidade. Ou encontrar um verdadeiro fidalgo com mais ânimo para a ciência do risco do que para as práticas da cavalaria, como aconteceu com António Rodrigues.
Colaboração de João Pedro Xavier
€10,00
Sebentas de História da Arquitectura Moderna:
n.º 14
Dimensões:
136 p., 15,0×22,5 cm
Peso:
250 g
Edição:
Dafne Editora
Data:
Outubro de 2007
DL:
202251/03
ISBN:
978-989-95159-3-2
Design:
Gráficos do Futuro