Belarmino
Fernando Lopes e Alexandre Alves Costa
Fernando Lopes Há qualquer coisa que nem pensei quando fiz o filme, porque eu estava muito ligado à cidade, àquela cidade, àquele centro da cidade. Foi um gesto de acção, era preciso acção no cinema português. Só muito mais tarde é que eu me dei conta de que o Belarmino, ele próprio, era, à sua maneira, não apenas um ícone, a cara dele em si (é de facto um filme sobre uma cara, um combate de boxe – aliás, João, escreveste isso, é um corpo a corpo entre mim e o Belarmino –, e quando digo que sou um pouco o Belarmino…), e só mais tarde é que me dei conta, com os anos, à medida que fui vendo o filme, que provavelmente o Belarmino era realmente uma espécie de ícone deste país, de certo modo, e infelizmente cada vez o é mais. Por isso é que o O’Neill acerta em cheio quando diz «campeões com jeito é a nossa vocação, o nosso trejeito», e acho que estamos nesta, outra vez! É assim…
(…)
Público Estava a pensar numa coisa em relação à obra do Fernando Lopes. Creio que a última vez que filma Lisboa é em Lá Fora, e são pessoas metidas dentro de condomínios. Tenho estado a perguntar-me onde é que estão os pobres? Onde é que está a cidade? Onde é que está aquela cidade? Porque é que não vamos falar disso? Eu gostava de falar disso, do lugar dos pobres na cidade e do lugar dos ricos na cidade.
Alexandre Alves Costa Podemos discutir essa questão, mas não tenho uma resposta clara. Sei que nas cidades portuguesas, particularmente em Lisboa e no Porto, se pode dizer que a população não tem crescido, antes pelo contrário, até tem diminuído, e a construção civil tem aumentado. A perversidade está aqui: há cada vez mais casas e cada vez menos gente. Já não se pode dizer que faltam 600 mil fogos como se dizia no 25 de Abril. Já nessa altura, quando diziam 600 mil, exageravam de propósito, faltavam 400 mil. Hoje em dia existem mais casas do que gente, mas o problema não é esse, o problema é que a construção civil paga às autarquias, as autarquias vivem disso, vivem dela e vivem desses impostos. Por isso é que a construção civil continua a construir quando não é preciso construir. Acho que devíamos sair daqui em manifestação e dizer: nem mais uma casa nova enquanto houver casas antigas habitáveis. É evidente que isto é um negócio para alguém. Significa que as populações vão mudando, vão-se alterando, e a cidade antiga já não é tão interclassista como foi durante algum tempo, e isso é que era a maravilha da cidade, era ser interclassista. Cada vez mais a cidade representa a pobreza: no centro da cidade estão só os pobres, só os velhos, pessoas que vivem isoladas, casas vazias. Depois há uma periferia relativamente pequeno-burguesa, ou rica, que é a que dá dinheiro à construção civil, e depois há a periferia da periferia, onde estão os que são realmente afastados… os chineses, não sei se não farão uma Chinatown especial para eles. Portanto, nesse aspecto a cidade transformou-se muito.
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Gratuito
O Lugar dos Ricos e dos Pobres:
n.º 3
Dimensões:
42 p., 15,0×22,5 cm
Edição:
Dafne Editora
Data:
Março de 2014
Design:
João Guedes/Dobra