Dafne Editora

Livros de Arquitectura

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Juventude em Marcha
Pedro Costa e Manuel Graça Dias

Manuel Graça Dias Uma das coisas que me marcaram bastante e que já foi referida é que o filme se passa com personagens reais, em sítios reais. Nada disto é muito fabricado. Haverá sempre alguma fabricação, certamente, mas é curiosíssimo – logo na primeira cena isso é notório – que o cenário, o set, o lugar onde se passa a acção muitas vezes pareça um estúdio. A primeira cena é muito clara neste aspecto, parece um cenário de ópera. Pus-me a pensar e cheguei a uma conclusão que, embora um bocado básica, provavelmente o explica: as barracas são feitas de madeira, praticamente como se fazem os cenários. Tábuas de madeira, juntas umas às outras, que vão conformando espaços. Aquele primeiro plano é frontal, com uma série de alçados, está muito escuro e não conseguimos lê-los na sua totalidade; é uma série de alçados com uma escala muito pequena. Porquê? Porque estas casas – estas barracas, casas clandestinas, casas feitas em autoconstrução – têm sempre uma escala pequena; as pessoas têm pouco dinheiro, pouco espaço, geralmente compraram os terrenos a quem já lá tinha estado, compraram uma barraca e aumentaram-na, ou fazem uma terceira no intervalo de outras duas que arderam; enfim, são sempre espaços muito reduzidos. Isso só me reforçou a ideia de que o bairro parecia um pedaço de cenário a sugerir uma coisa maior. Achei isto muito curioso.

(…)

Pedro Costa Tudo o que está neste filme foi muito difícil de filmar, foi muito exigente para eles, cada cena que vocês viram, mesmo as mais espontâneas – enfim, se acharam alguma coisa espontânea –, foi repetida e filmada muitas vezes. A cena em que a Vanda fala do parto dela, que é provavelmente a cena que pode parecer mais improvisada, foi feita vezes sem conta, dias a fio, palavra por palavra, e temos pelo menos dez takes, muito boas e parecidíssimas. Foi um trabalho de semanas e semanas de mecanização pura e simples, de repetição das ideias e das palavras. Eu preciso de fazer esse trabalho com eles. Por um lado, para que eles percebam que o cinema é mesmo um trabalho, que não é um passatempo de ricos, é uma coisa dos pobres, dos pobres e bem-aventurados, no sentido da gente normal que gosta e precisa de trabalhar; e, por outro lado, porque de cada vez que se repete pode sair melhor, e isso é uma sensação nova que eles começam a apreciar. Começam a perceber que podem exprimir-se melhor, que podem lembrar-se melhor das coisas, que podem eliminar coisas que não interessam. Aqui começa a quebrar-se o processo convencional: um rapaz, que faz de actor, que escreve a cena, que a representa, que propõe o seu próprio cenário. Devo dizer que não sei se obteria isto de um actor de cinema. Seria muito difícil conseguir este tipo de coisas de um actor profissional. Enfim, creio que isto também tem um pouco a ver com a arquitectura, porque ele disse: «Um hospital parece-se muito com as casas em que nós vivemos agora.»

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Gratuito

O Lugar dos Ricos e dos Pobres: n.º 2
Dimensões: 34 p., 15,0×22,5 cm
Edição: Dafne Editora
Data: Fevereiro de 2013
Design: João Guedes/Dobra